quinta-feira, 26 de agosto de 2010

LINGÜÍSTICA E ENSINO DA LÍNGUA – espaços e limites


 " A Linguagem funciona pelos e para os falantes, não pelos e para os linguistas"
(Eugênio Coseriu)

LINGUISTA E ENSINO DA LÍNGUA

            A lingüística está na moda no mundo inteiro. A ela recorrem e dela se beneficiam várias ciências, que para ela igualmente contribuem. Com referência ao ensino da língua, tem havido, nos últimos anos, um excesso de teorização, num uso direto das teorias lingüísticas modernas, tão prejudicial quanto a proliferação inconseqüente de terminologias gramaticais. Além de se promover a análise científica da linguagem, cabe promover a organização dessa análise para o uso em sala de aula. E isso passa pela integração de atividades ligadas a diferentes estudiosos da língua: lingüistas teóricos e descritivos, lingüistas aplicados, professores de português, pedagogos e autores de manuais didáticos..
            A lingüística não pode, sozinha, renovar o ensino do vernáculo. Pode, isto sim, dar uma grande parcela de contribuição para essa renovação. O ensino pode beneficiar-se com as informações obtidas pela investigação lingüística, com os métodos heurísticos que orientam essa investigação, mas não com o aparato formal das teorias ou com sua terminologia técnica. Mais ainda: o ensino não deve basear-se exclusivamente numa teoria. As várias teorias se complementam quanto aos fatos analisados. Deve-se, pois, promover um aproveitamento o mais eclético possível dos resultados alcançados pelas investigações teóricas, buscando-se o ponto ideal para o ensino da língua.
            A análise e a aplicação das teorias lingüísticas ao ensino da língua devem basear-se em princípios pedagógicos e não lingüísticos.


TEORIAS LINGÜÍSTICAS E DESCRIÇÕES PEDAGÓGICAS

            Torna-se necessária numa reflexão sobre teorias lingüísticas descrições pedagógicas, para que se veja a aplicabilidade dos modelos lingüísticos ao ensino da língua. É impossível a aplicação direta das teorias lingüísticas às descrições pedagógicas, uma vez que há divergência de objetivos entre elas.
            Não se pode esperar milagres da lingüística. Deve ela ficar fiel aos seus limites e alcançar, dentro deles, a sua plenitude.
            O ensino do vernáculo pode e deve beneficiar-se das aquisições da lingüística. Não há, porém, atualmente, um modelo lingüístico diretamente aplicável ao ensino da língua.
            Caberia uma colaboração estreita, no nível universitário, entre o professor de português e o professor de lingüística, buscando uma compreensão mais elevada do sistema e funcionamento da língua. Ambos trabalham com o mesmo material: a língua. Cabe considerar os pontos convergentes entre a lingüística e o ensino da língua para o maior número de conclusões práticas. Cabe, outrossim, o conhecimento das teorias existentes com base em princípios pedagógicos e não lingüísticos.
            A gramática pedagógica pode e deve fazer uso de aquisições de diferentes teorias. A mudança a ser implementada só deverá ser levada a cabo se for verificado seu real interesse pedagógico. A mudança de terminologia, por exemplo, é de interesse nacional e não deste ou daquele autor, professor, entidade ou instituição, daí a necessidade de um trabalho conjunto entre lingüistas, professores, pedagogos, autores de manuais didáticos e autoridades governamentais.
            A tarefa de escolher, dentre as informações contidas na(s) gramática(s) científica(s) da língua - há que havê-la(s) -, do que é pedagogicamente relevante deveria ser intentada pelo lingüista aplicado e pelo autor de manuais pedagógicos.

LINGÜÍSTICA APLICADA COM BASE EM PRINCÍPIOS PEDAGÓGICOS

            O lingüista aplicado, sabemos, aplica teorias e descrições lingüísticas a um dado tipo de atividade. No caso do ensino da língua, o lingüista aplicado deveria ser, idealmente, professor de português. A ele caberia, com base em princípios pedagógicos, a escolha, dentre todo o material lingüístico teórico e descritivo disponível, do que vai ser aproveitado no ensino da língua, que, sabemos, se diversifica quanto à clientela, aos objetivos a serem atingidos, etc. Para tanto, o lingüista aplicado deveria ser profundo conhecedor das teorias e descrições lingüísticas que se colocam no âmbito da atividade pretendida. Já se vê que se deveria falar antes em lingüistas aplicados, tendo em vista a infinidade de teorias e descrições existentes.
            A tarefa da lingüística aplicada é de suma importância, principalmente quando se pensa que nunca houve, entre lingüistas, uma unidade de pensamento e métodos. A ela caberia, com dimensão interdisciplinar, a avaliação das análises científicas, a seleção do que é aproveitável ao ensino e a delineação dos conteúdos programáticos dos cursos, bem como a construção do material escolar.


INFLUÊNCIA DA LINGÜÍSTICA NOS LIVROS DIDÁTICOS

            A influência da lingüística moderna nos livros didáticos não tem sido positiva. Temos visto gramáticas supostamente pedagógicas mais parecendo manuais de lingüística.
            Na ânsia de mostrar vanguardismo de idéias, autores de livros didáticos utilizam, melhor, manipulam, de forma muitas vezes equivocada, nomenclaturas e teorias lingüísticas, com o objetivo único de promover seus livros.
            Tem havido, nos últimos anos, um excesso de teorização, num uso direto das teorias lingüísticas modernas, tão prejudicial quanto a proliferação inconseqüente de terminologias gramaticais.

INTERDISCIPLINARIEDADE

            Nenhum falante domina a língua como um todo. Os falantes nativos só possuem uma interseção de variantes. Ao ensino caberá aumentar o número de variantes dominadas pelo aluno, tornando-o capaz de usar eficazmente a língua nas diversas situações que vai vier, vivenciar.
            Mas o ensino da língua não deve ter como único objetivo o de capacitar o aluno para usá-la de modo eficaz e adequado. Deverá ele igualmente fornecer a esse aluno conhecimento sobre o funcionamento da língua, dando-lhe condições para compreender e apreciar a(s) sua(s) literatura(s).
            Além da análise científica da língua, cabe promover a organização dessa análise para uso em sala de aula. E isso tudo passa pela integração de atividades ligadas a diferentes tipos de estudiosos da língua: lingüistas teóricos e descritivos, lingüistas aplicados, professores de português, pedagogos e escritores de livros didáticos, livros esses a serem avaliados criteriosamente por todos aqueles especialistas.
Acima ou como posso de fundo de tudo, a tal da interdisciplinaridade, somente alcançável se for eliminada a competição e discussão estéreis e pouco inteligentes sobre ser esta ou aquela disciplina, este ou aquele saber mais ou menos importante, tal como vemos muitas vezes ocorrer, por exemplo, entre lingüistas de um lado e professores ou estudiosos de literatura de outro, a acharem que nada têm em comum, que em nada se podem ajudar e, pior, a desvalorizarem, ambos, os professores de português, comumente tidos como meros transmissores de caturrices gramaticais.
            Roman Jakobson chamou a atenção para o descaso, por parte dos lingüistas, da função poética da linguagem e a indiferença face aos problemas lingüísticos e métodos por parte dos estudiosos de literatura; para a ignorância dos críticos e lingüistas em relação aos recursos poéticos existentes, veladamente ou em potencial, nas estruturas morfológicas e sintáticas da língua: a poesia da gramática e o seu produto literário, a gramática da poesia habilmente manejada por escritores criativos. (JAKOBSON, 1958, p.78).
            Os grandes textos literários foram tecidos com os recursos existentes, e em disponibilidade, na língua. O manejo deles, a sua utilização ou atualização é que diferem do uso que deles comumente se faz. Quando não se os utiliza, deixa-se de atualizá-los, mas eles estão lá, disponíveis.
            O emprego da linguagem na literatura não é um uso particular, específico, como o é o emprego da linguagem na vida prática, no dia-a-dia, ou na ciência, por exemplo. “O emprego da linguagem na literatura”, para Eugenio Coseriu, “representa, não um uso particular da língua, mas a plena funcionalidade da linguagem ou a realização das suas possibilidades, de suas virtualidades”. (COSERIU, 1993, p.39).(COMO DIZER ISSO SEM SE COMPROMETER)
            Cabe ao ensino estimular a reflexão lingüística, para que o aluno tome consciência da língua e das suas possibilidades, estimulando-o igualmente à criatividade lingüística, orientando-o para a percepção de que os recursos para tal criatividade estão à disposição de todos, no sistema da língua.

ENSINO DE LÍNGUA E LITERATURA

            A ciência lingüística é naturalmente autônoma em relação à ciência literária, e vice-versa. O trabalho de ambas, porém, são reciprocamente complementares e fecundantes, salvaguardando-se seus espaços e limites principalmente no que se refere ao ensino da língua. Intermediando essa relação/complementação estaria o professor de português, principalmente nos 1º e 2º graus, professor esse não mais tido como mero transmissor de caturrices gramaticais. E tudo isso passa pela lingüística do texto.
            Bom seria que os lingüistas e professores de literatura se preocupassem em fornecer ao estudante de literatura um treinamento que o capacitasse para o estudo, tanto da língua quanto da(s) literatura(s) dessa língua. E isso passa, indiscutivelmente, pelo professor de português, que intermediaria essa integração.
            É bom lembrar que o estudo do texto literário teve impulso com o advento da lingüística descritiva ou estruturalista. A análise do texto literário muito lucrou, também, com o advento da gramática gerativo-transformacional.
            Em 1964, no 9º Congresso Internacional de Lingüística, o mesmo Jakobson chamou a atenção para o fato de que uma sessão especial havia tratado da estilística e da poética, e que o estudo da poesia havia sido considerado inseparável da lingüística e sua tarefa pertinente.

CONCLUSÃO

            O ensino de línguas pode e deve beneficiar-se com as informações obtidas pelas investigações lingüísticas, com os métodos heurísticos que orientam essas investigações, mas não com o aparato formal das teorias e com sua terminologia técnica. Mais ainda, o ensino não deve basear-se exclusivamente numa teoria. As várias teorias se complementam quanto aos fatos analisados. Deve-se, pois, promover um aproveitamento o mais eclético possível dos resultados alcançados pelas investigações teóricas. É esse o ponto ideal para o ensino do vernáculo.
            O ensino da língua deve vincular-se ao ensino da literatura, o da lingüística ao da ciência literária, posto que a interpretação de um texto literário é feito com base nas possibilidades, nas virtualidades lingüísticas nele realizadas, atualizadas. A lingüística que examina as possibilidades da linguagem concretamente realizáveis e/ou realizadas na literatura é complementar da ciência da literatura. A coincidência desses dois pontos de vista se dá na lingüística do texto, lingüística que estuda o sentido e a estruturação do sentido.
            Integrar os resultados das investigações teóricas e descritivas da lingüística à questão prática do ensino da língua, especialmente a materna, é um assunto inesgotável, tal a complexidade e dimensão dos problemas e questões a resolver.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

COSERIU, Eugênio. “Do sentido da língua e a literatura”, in Confluência. Revista do Instituto da Língua Portuguesa do Liceu Literário Português, n.º 5, Rio de Janeiro, Ed. Lucerna Ltda/ 1º semestre/1993.p.29-47.

JAKOBSON, Roman. “Conference on Style”, Universidade Indiana, 1958.


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